Um sonho de
quase todos os adolescentes: Terminar o ensino médio, conquistar a tão desejada
liberdade, curti a festa com os amigos e em fim passar no vestibular. A teoria
é linda, mas o que me aconteceu mesmo...
Eu acho que fui a única garota dentre todos que não foi na formatura do
ensino médio. Comemorar o quê? Na verdade, eu deveria ter posto aquela roupa
preta. Não me interprete mal, a questão não se trata de arrependimento, eu
realmente deveria ter me vestido de preto e não sorrir nas fotos, deveria ter reverenciando
o luto pelos anos no cárcere, e velado a hipocrisia de momentos, digamos, que
nunca aconteceram.
Durante todo o percurso e tempo que passei na prisão, vi, revi, vivi e
presenciei momentos dos quais não me orgulho. Aquele lugar deveria ser meu
queridinho, meu queridinho... o lugar onde tudo pudesse brotar, nascer e dar
frutos, um lugar que deveria ter acontecido as coisas mais fantasiosas,
ridículas e bobas na vida de uma adolescente que esperou por tudo isso e por
mais um pouco. Na verdade, eu não tive o que chamam de sorte. Imagine agora uma
gaiola gigantesca no cume de uma montanha, dentro desta um pequeno ser, com
penas pretas e olhos brilhantes escuros, talvez uma aberração, triste, sozinho
e sem voz no alto da montanha impotente diante de tudo, apesar de estar nas
alturas. Era assim, dia após dia era assim que eu me sentia naquela cadeia que
chamam de colégio. Como se não bastasse, durante o meu regime semiaberto,
quando eu tinha algumas horas de liberdade fora do calabouço, arrastando sempre
um All Star preto surrado, que já fazia parte dos meus pés e uma mochila quase
sempre cheia de livros didáticos inúteis, aquela sensação de uma presa que
sofria maus tratos, torturas e a rejeição de todos, refletiam
na minha vida fora daquele cenário, que para mim era tenebroso. Mas que crime
eu cometera para passar por tudo isso?
Volto agora há mais alguns anos, me transportando para um passado pouco
distante nas águas da minha infância.
Sempre fui uma menina quieta, pelo menos é o que minha mãe dizia... e com o
passar do tempo, ainda muito pequena fui jogada na cadeia, e lá sempre
impuseram sobre todos os detentos ensinamentos, normas, e um monte de coisas
que diziam ser boas para a sociedade. Bobos e ingênuos, a maioria de nós
acatava o que a tutora dizia. No meio de toda aquela esfera, onde tudo era
brincadeira, alguns dos detentos não eram assim tão bobos, haviam aqueles
que queriam mexer com aqueles outros que nada de mais faziam. Eu realmente não
tive o que chamam de sorte, e assim fui vítima desses mexilhões. O tempo como
sempre passara e de tanta coação sofrida, resolvi entrar no meu universo e ali
descobrir um mundo. Meu universo não tinha nada, não tinha ninguém... era um
vácuo nas galáxias, imensurável, lindo, mas vazio, repleto de sentimentos
ruins e malignos. A culpa foi deles? Eu paguei por um crime que outros cometerão,
crimes onde eu fui a vítima?! ... Eu não sei... A linha desse pensamento sempre
se torna um círculo e termina sempre nas roupas pretas da formatura que não
foram vestidas.
Da gaiola no cume, porém com um ser preso; do universo vazio, porém lindo, até o agora. Tudo isso já faz um tempo e olhando tudo das lentes das memórias,
vejo que pouca coisa mudou... Será que foram minhas atitudes que não deixaram
eu colocar o roupão negro? E quando eu resolvi entrar no universo lindo... por
que nunca houve alguém que me chamasse para fora? Era tudo o que eu precisava,
meus olhos não estavam tapados, meus ouvidos menos ainda e meu coração, mesmo
quebrado estava cheio de amor e esperança. Esperei, esperei, mas não obtive um
socorro; gritei, mas ninguém ouviu; corri atrás de pessoas que pareciam me
querer por perto, mas sempre me enganei... Aquela roupa preta, aquele chapéu
preto... por quê? Será que a culpada foi eu? São tantas as perguntas que nunca
obterão respostas...
De fato, o ensino médio marcou a minha vida. Marcou tanto que as feridas
ainda não foram saradas... e tudo isso não é nem um terço do que de fato lá eu
passei. Meu cárcere.